infelizmente, tu acabaste.

Está para lá da tristeza, da solidão, do desejo de lutar pelo que já se perdeu. Primeiro grita-se, barafusta-se, fazem-se esperas, sente-se aos solavancos e come-se sem mastigar, num torpor raivoso e revoltado. A vida vai mais depressa do que nós, passa-nos por cima e os dias comem-se uns aos outros. Só queremos que o tempo corra para nos apaziguar a dor e acalmar os papos nos olhos.
A mágoa chega então, quando o cansaço já não nos deixa sentir mais nada. É silenciosa e matreira, instala-se sem darmos por ela, aloja-se no coração e começa a deixar sinais aqui e ali, dentro de nós. A pouco e pouco sentimos que já não somos a mesma pessoa.
As cicatrizes podem esbater-se com os anos e ser remendadas com hábeis golpes de plástica, mas ficarão para sempre debaixo dos excertos que fazemos à alma.
O cansaço mata tudo. A raiva de não termos quem tanto amámos, a fúria de não sermos donos da nossa vontade, o orgulho de termos perdido quem mais queríamos. Só não mata as saudades e a vontade de continuar a sonhar que um dia pode mudar outra vez e libertar-nos de nós mesmos e do sofrimento, tão grande quanto involuntário, tão patético quanto verdadeiro.
Às vezes, quando a mágoa é enorme e sufoca, vegetamos em silêncio para que ela não nos coma. Fingimos que está tudo bem, rimo-nos de nós próprios perante os outros e até mesmo perante o outro que vive dentro de nós. Tornamo-nos espectadores da nossa dor. Afastamo-nos de nós, do que somos, daquilo em que acreditamos. No fundo estamos a desistir, como quem volta atrás porque tem medo do escuro, vencidos pela desilusão cansadas de esperar em casa que o mundo pare e se lembre de nós.
Mas o mundo nunca pára. Nada pára. A vida foge, os dias atropelam-se, é preciso continuar a vivê-los, mesmo com dor, mesmo com mágoa. Pelo menos a mágoa magoa, faz-nos sentir vivos.
Arde no peito e no orgulho, mas pouco a pouco vai matando a dor.
Torna-se a nossa companheira mais próxima, deixando de nos defender da tristeza que se vai consumindo como uma vela esquecida num presépio morto que uma corrente de ar ou um novo sopro de vida um dia apagará. Mas isso só é possível quando conseguirmos esquecer.
No sossego da minha casa, onde só comunico com o mundo exterior o suficiente para me manter viva, guardo intacto tudo o que sinto por ti. Fechada para o mundo e para os outros, sinto-me cada vez mais só, mergulhada numa escuridão voluntária e estéril que me aplaca a vontade e os sentidos. Com a morte deste amor por ti, morre também uma parte de mim, algo cujos contornos não consigo ainda delinear mas que com o tempo perceberei, quando a alma apaziguada fechar as feridas desta minha dor derrotada e passiva perante o teu silêncio e a tua mascarada indiferença.
Nunca saberei até que ponto ages com o coração ou apenas com a cabeça. Até que ponto te entregas ou apenas jogas. Até que ponto sentes e ages, ou apenas observas.
Sempre disse que as diferenças iriam servir mais para nos unir do que para nos afastar. Mas agora sei que não. Ao contrário de ti, não sou nem nunca serei espectadora da minha própria vida.
Quando acabares de ler, liga-me, ou anda ter comigo, diz tudo o que tens para dizer.
acabas-te tudo ou não?

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